quinta-feira, 8 de abril de 2010

MEGADIVERSIDADE BIOLÓGICA


Ano Internacional da Biodiversidade incentiva a conservação

Instituído como o Ano Internacional da Biodiversidade pela ONU – Organização das Nações Unidas, 2010 está sendo marcado por mobilizações mundiais pela manutenção da biodiversidade, que enfrenta o perigo de extinção de espécies e os efeitos das mudanças climáticas, decorrentes das ações humanas. Nesse contexto, o Brasil tem participação estratégica já que é um expoente da megadiversidade planetária

Sucena Shkrada Resk – Edição: Mônica Nunes

Planeta Sustentável – 05/04/2010

A perda crescente de biodiversidade em todo o mundo resultou na decisão da ONU – Organização das Nações Unidas em instituir 2010 como o Ano Internacional da Biodiversidade. O objetivo principal é aprimorar o entendimento sobre o seu papel para a manutenção da vida no planeta, por meio de várias estratégias de divulgação, de eventos ao desenvolvimento de políticas voltadas à conservação.
De acordo com relatório divulgado no ano passado pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN, em inglês), mais de 800 espécies de animais e plantas já foram extintas nos últimos 500 anos e, aproximadamente, 17 mil espécies podem desaparecer. O mais alarmante é que somente 2,7% (44.838 espécies), de 1,8 milhão de espécies descritas pela Ciência foram analisadas, o que demonstra o grau de desconhecimento que há sobre a biodiversidade na Terra.
O Brasil tem posição estratégica, por se caracterizar como primeiro, entre 17 países, em megadiversidade no mundo, o que corresponde a até 20% das espécies. No país há, pelo menos, 627 espécies da fauna e na faixa de 1.100 de flora nativa ameaçadas de extinção (dados 2008), segundo a Secretaria de Biodiversidade e Florestas do MMA - Ministério do Meio Ambiente.
As diretrizes da ONU visam aumentar a consciência pública sobre o tema, como também promover a identificação e o combate às ameaças. A campanha integra a programação da CDB - Convenção sobre Diversidade Biológica, criada em 1992, durante a ECO 92, que reúne os países signatários a cada dois anos, na Conferência das Partes – COP. A mais recente ocorreu em Bonn, na Alemanha, em 2008 (Leia artigo de Washington Novaes – Quanto custa perder a biodiversidade), e, neste ano, acontecerá a 10ª COP, em outubro, na cidade de Nagoya, Japão (Leia aqui)
“Neste ano, uma das discussões mais importantes será sobre a possibilidade de se chegar à construção de um Regime Internacional de Acesso e Repartição de Benefícios oriundos do Uso dos Recursos Genéticos, com caráter vinculante, ou seja, que faça com que todos os países signatários da CDB, que adotarem a medida, atuem de maneira coerente e coesa”, diz a secretária de Biodiversidade e Florestas do MMA, Maria Cecília Wey de Brito.
O Regime Internacional tem como objetivo a distribuição justa e eqüitativa dos lucros obtidos com a exploração da biodiversidade e do conhecimento de populações indígenas e tradicionais associados a estes recursos genéticos. O Brasil tem papel relevante nesta discussão, pois é, desde 2008 (gestão de dois anos), presidente do Grupo dos Países Megadiversos, que busca levar, às negociações da CDB, a posição consensual destes países.
Até agora, foram realizadas três reuniões, que discutiram a construção das bases dessa proposta.
O Grupo dos Países Megadiversos reúne os 17 países mais ricos em biodiversidade no mundo. Além do Brasil, fazem parte da lista: África do Sul, Bolívia, China, Colômbia, Congo, Costa Rica, Equador, Filipinas, Índia, Indonésia, Madagascar, Malásia, México, Peru, Quênia e Venezuela.
O contexto dos desafios para a preservação da biodiversidade brasileira e no mundo demonstra que ainda há muito a fazer. “É preciso popularizar o conceito, para que sua compreensão, pela maioria da nossa sociedade, revele e materialize em políticas públicas de outros setores a importância da conservação deste ativo para a nossa vida na Terra. Sabemos que a taxa de diminuição da biodiversidade no planeta continua alta”, afirma Maria Cecília.
O especialista José Sabino, doutor em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp e biólogo da Universidade Anhanguera, no Mato Grosso do Sul, caracteriza a atual conjuntura como ‘crise mundial de extinção de espécies’. “Diferentemente das extinções anteriores, como a dos dinossauros (há 65 milhões de anos) ou dos mamíferos gigantes do Pleistoceno (entorno de 12-15 mil anos atrás), esta é uma extinção provocada essencialmente pela ação humana. A redução e a conversão de habitats, o isolamento de populações e a introdução de espécies exóticas são algumas das ações que pressionam negativamente as espécies mais sensíveis”, explica. Sabino, que também é fotógrafo (seu site é indicado no final desta reportagem), mantém hoje um acervo próprio de 32 mil imagens dos diferentes ecossistemas brasileiros.


MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DIVERSIDADE BIOLÓGICA

Maria Cecília Wey de Brito, do MMA, destaca que, na agenda da Biodiversidade, as mudanças climáticas têm um forte peso. Nesse sentido, o Ministério produziu as publicações “Inter-relações entre Biodiversidade e Mudanças Climáticas” e “Mudanças Climáticas Globais e seus efeitos sobre a Biodiversidade”, disponíveis em seu site.
“No Brasil, os problemas são ocasionados pelo aumento das temperaturas na região amazônica e pela intensificação de períodos secos no semi-árido do Nordeste. Ainda há elevação no nível do mar na costa brasileira, que inviabiliza a funcionalidade dos recifes de corais, entre outros exemplos. Os ecossistemas, ao se modificarem por força dessas alterações, poderão provocar o desaparecimento de espécies hoje existentes”, afirma a secretária.
O processo de extinção de algumas espécies, como o surgimento de outras, segundo Maria Cecília, são eventos naturais. A aceleração dessas ocorrências, entretanto, é que foge à normalidade. “Isso ocorre, devido à degradação e à fragmentação de ambientes naturais”, afirma. Entre as principais razões, de acordo com ela, estão a abertura de grandes áreas para a implantação de pastagens ou agricultura convencional, o extrativismo desordenado, a introdução de espécies exóticas invasoras (veja as reportagens indicadas no final deste texto), além da expansão urbana, da ampliação da malha viária e de outras causas, como a poluição, os incêndios florestais e a formação de lagos para hidrelétricas e mineração de superfície.
“Cada vez mais, sabemos que a conservação das espécies não trata apenas da natureza em estado selvagem: espécies e ambientes íntegros promovem a regulação e a estabilização dos sistemas naturais ou mesmo aqueles com forte ação do homem”, ressalta o biólogo José Sabino. Ele explica que ambientes com alta biodiversidade promovem regulação de microclima, controle de pragas por meio da ação de inimigos naturais e estocagem de carbono, entre outros serviços ecossistêmicos.
Sabino também destaca que o ícone das mudanças climáticas são os ursos polares, que dependem de extensas áreas de caça. “Com o aquecimento, tem havido redução e fragmentação de áreas geladas no Ártico, com consequentes pressões negativas sobre as populações desses predadores”. Outros estudos, menos conhecidos, apontam para ameaças a várias espécies de anfíbios da América do Sul. Com o aquecimento de certas regiões, fungos se instalam na pele sensível desses organismos e os levam à morte.

ESPÉCIES AMEAÇADAS

Há vários anos o Brasil possui listas (nacional e de alguns estados) de espécies ameaçadas de extinção, tanto da flora quanto da fauna. Em 2008, o MMA, em conjunto com vários parceiros, lançou o Livro Vermelho das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, que reúne informações científicas sobre todas as 627 espécies da fauna reconhecidas como ameaçadas de extinção por meio das Instruções Normativas MMA nº 3, de 2003, e nº 5, de 2004 (Veja a reportagem publicada pelo Planeta Sustentável sobre esse lançamento).
O documento (acessível no site do MMA; veja a indicação do link no final desta reportagem) apresenta dados sobre a biologia, a distribuição geográfica, a presença em unidades de conservação, principais ameaças, estratégias de conservação, indicações de especialistas e de núcleos de pesquisa e conservação envolvidos com as espécies. “Essas informações são valiosas tanto para o gestor ambiental, cujo objetivo de trabalho é a elaboração e execução de políticas públicas, quanto para acadêmicos e o público em geral”, destaca Maria Cecília. No campo internacional, há a lista vermelha produzida pela organização União Internacional para a Conservação da Natureza (Veja a reportagem A longa lista dos condenados sobre esse estudo.).


SERVIÇOS AMBIENTAIS

A secretária de Biodiversidade e Florestas do MMA explica que, quanto maior a biodiversidade de um ecossistema, maior é a tendência de que ele ofereça também mais tipos diferentes de serviços ambientais, como o fornecimento de água de boa qualidade, a manutenção da fertilidade dos solos e a polinização, da qual muitas das plantas dependem para produzirem frutos.
“Mecanismos, como o Sistema de Pagamentos por Serviços Ambientais, proposto para a Amazônia Legal, são considerados, cada vez mais, como soluções inovadoras para a conservação da diversidade biológica, diante à vulnerabilidade de alguns biomas brasileiros. Isso não quer dizer que seja substituto de uma política de conservação mais ampla, assim como de políticas sociais ou de investimento em serviços públicos básicos”, ressalta a gestora. Esse tipo de programa, além de incentivar a conservação, beneficia os atores sociais por meio do aumento de suas rendas.

POLÍTICAS PÚBLICAS

Desde a Rio-92, as políticas públicas voltadas para a conservação da biodiversidade tiveram importante impulso no Brasil. Entre as mais significativas está a legislação que instituiu, em 2000, o SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. “Somamos, hoje, 304 UCs - unidades de conservação federais. Neste contexto, o Brasil é o país que mais criou áreas protegidas em todo o mundo, entre 2003 e 2009, que resultou num acréscimo de 268.096 km2. Hoje, temos um total de 768.488 km2 de unidades”, destaca Maria Cecília. A Política Nacional da Biodiversidade (decreto nº 4.339) foi instituída em 2002. “Há cerca de 10% de área protegidas no mundo, sob algum tipo de legislação e essas UCs são estruturais para a manutenção da vida no Planeta”, considera o professor José Sabino, da Unicamp.
Na análise da secretária do MMA, o programa de Áreas Protegidas da Amazônia - ARPA também auxilia a conservação. “Em sua primeira fase, apoiou a criação de 43 unidades de conservação, abrangendo uma área de aproximadamente 24 milhões de hectares e investiu US$ 50 milhões diretamente na consolidação de 62 unidades de conservação”. A iniciativa ainda resultou na criação do Fundo de Áreas Protegidas – FAP, destinado à manutenção de unidades de conservação consolidadas com apoio do ARPA, em cerca de US$ 29,7 milhões. “Durante a Fase II (2010-2013), há a perspectiva de aplicação de cerca de US$ 120 milhões em investimentos diretos e indiretos”, diz.
Na última avaliação do sistema Prodes, que registra o desmatamento no período de um ano, entre agosto de 2008 e julho de 2009, foi detectado o menor desmatamento dos últimos 21 anos, na Amazônia, de acordo com a gestora.
Segundo a Avaliação Global de Recursos Florestais 2010, realizada pela FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, 13 milhões de hectares anuais de florestas nativas foram transformadas em terras agrícolas ou destruídas por causas naturais, nos últimos dez anos. As maiores perdas ocorreram na América do Sul e na África, computando o total de 7,4 mi hectares. Já na Ásia, houve o reflorestamento de 2,2 mi hectares, principalmente na China, Índia e Vietnã. No Brasil, o desmate caiu de 2,9 milhões de hectares na década passada para 2,6 milhões nesta década. Mas esses resultados ainda não são suficientes para comemorações, visto que o Brasil ainda lidera o ranking de desmatamento, segundo o relatório.
“Hoje temos políticas públicas que podem ser bons instrumentos para consolidar a proteção desses biomas, mas os governos isoladamente não conseguem dar conta dessa tarefa. É preciso que os diferentes segmentos da sociedade atuem para a consolidação das metas de conservação”, analisa o biólogo José Sabino.

ALÉM DA AMAZÔNIA

A secretária de Biodiversidade e Florestas do MMA, Maria Cecília Wey de Brito, afirma que a ampliação do monitoramento por satélite da cobertura vegetal brasileira não se limita mais à Amazônia. Isso, em sua opinião, é um fator importante para a conservação da biodiversidade. “Em 2009, foram divulgados os primeiros resultados para o Cerrado entre o período de 2002 e 2008. No início deste ano, apresentamos os dados do desmatamento da Caatinga e, até o final de 2010, está prevista a divulgação dos dados da Mata Atlântica, Pantanal e Pampa, referentes ao mesmo período”, antecipa a gestora.
Ações no campo da legislação, como a aprovação da Lei da Mata Atlântica e sua regulamentação, além da regulamentação de dispositivos da Lei de Crimes Ambientais, colaboram para as políticas públicas no setor. “Com o Programa Mais Ambiente, também se pretende apoiar os proprietários rurais na regularização ambiental de suas propriedades. Já a Política de Preços Mínimos para os produtos do extrativismo, que agrega valor a esta importante atividade de comunidade locais e de povos indígenas entre outros, são alguns dos avanços recentes”, ressalta Maria Cecília.
No âmbito das pesquisas na área de Ecologia e Biodiversidade, de acordo com o biólogo José Sabino, o Brasil tem uma produção de altíssimo nível, mas necessita de mais recursos de conhecimento científico, financeiros ou de ampliação da capacitação instalada. “O que mais marca o setor ainda é uma profunda assimetria regional, com perto de 70% das instituições e pesquisadores concentrados no Sul e Sudeste do país”, diz. Essa assimetria, por sua vez, é diametralmente oposta às grandes áreas que concentram a maior parcela da biodiversidade brasileira (Norte, Centro-Oeste e Nordeste). “Contudo, vejo que temos progredido e acredito firmemente na nossa capacidade de gestão do problema”, conclui.

Fonte: http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/desenvolvimento/ano-internacional-biodiversidade-incentiva-conservacao-546327.shtml Acesso em: 09/04/2010

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